20070131

A VINHA DE NABOTE

Ocupar o lugar de honra num banquete é uma deferência de grande significado. Você tem a atenção de todos, tem a melhor comida, o melhor vinho, e é servido antes de todos. Nisso pensava Nabote, bom israelita, agricultor e comerciante. Era fácil entender o papel de quem ocupa o assento principal numa grande festa. Mas o que dizer do conviva principal de um jejum? Era o primeiro a não ser servido? Recebia as melhores porções de uma comida inexistente. Sim, porque Nabote era agora o centro das atenções de uma grande quantidade de pessoas, todas elas reunidas para o jejum convocado pelo rei Acabe. Todas elas estavam desconfortáveis com esse bizarro jejum público, mas nenhuma delas tanto quanto Nabote. Quanto mais ele pensava, mais acreditava que o convite tinha algo a ver com sua recusa em fechar um negócio com o rei.
Estava certo em sua suposição. Como vimos no final do capítulo anterior, o rei andava cada vez mais birrento, e qualquer contrariedade seria capaz de levá-lo a fazer alguma bobagem. Acontece que Nabote possuía uma plantação de uvas que ficava ao lado de um palácio que o rei possuía em Jezreel. Sem ter mais o que fazer o dia todo — decisões importantes eram tomadas por Jezabel, fosse como fosse — Acabe achou por bem propor um negócio ao proprietário da vinha.

Vamos a conversa.

Essa plantação é sua,rapaz?
Sim senhor.—Fica pertinho do palácio, não?
pois fica.
Vamos fazer um negócio?
Vamo não.
Mas você nem ouviu ainda!
Mas essa vinha foi herança de meu pai, e não quero me desfazer dela.
Rapaz, isso aqui ia ficar lindo como horta real, já imaginou? Imagina!
Tô imaginando.
E aí, vamos fazer negócio?
Vamo não.
Você é difícil hein! Eu te dou um vinha melhor que essa!
Melhor que essa, é?
É!
Quero não.
Eu te pago em dinheiro, quanto quer !
Carece não!

Sufocando sua raiva e frustração, o rei saiu dali batendo os pés, entrou no palácio e se deitou em sua cama de cara para a parede e com o dedo enfiado na boca
. Aos que lhe vinham perguntar o que tinha ou oferecer comida, apenas respondia com um "Uh-hum!" — ou qualquer coisa assim, era difícil entender o que ele dizia com o dedão na boca.
A reação do rei, muito madura e centrada, não tardou a virar o comentário do dia no palácio.
Temendo que a novidade chegasse às ruas de Jezreel, Jezabel foi ter com seu esposo.
Acabe, que conversa é essa?
Uh-hum!
UH-HUM O QUE FOI HEIN! DEIXA DE SER FRACO E ME FALA O QUE ACONTECEU.
Obediente como sempre, mas um pouco relutante, o rei narrou à mulher os fatos ocorridos daquela
Manha.

Que vergonha, tamanho homem!
Você é rei desta jóssa ou não é?
Levanta daí, levanta! Vai comer alguma coisa.
Mas... E a plantação, meu bem?
Deixa isso comigo! Amanhã mesmo a vinha de Nabote será sua.
Enquanto Acabe comia seus sucrilhos, Jezabel preparava seu plano.
Escreveu algumas cartas em nome do rei, seladas com seu sinete, e as enviou para as autoridades de Jezreel.

As cartas davam instruções para um grande jejum coletivo na cidade, que deveria ter Nabote no lugar de honra.
E ali estava Nabote, sentado em sua cadeira cada vez mais desconfortável, sentindo sobre si o peso dos olhos de seus conterrâneos, que nada entendiam. Ficaram assim por longos minutos, até que o homem sentado logo à frente de Nabote resolveu puxar assunto:
Você é Nabote, não é?
Sou sim — respondeu ele, sabendo que seu interlocutor era um sujeito de má fama na cidade, bandido e mau caráter.
Ah, eu te conheço!
Eu também! — disse o que estava ao lado do homem, outro elemento suspeito.
Não é você o grande ateu de Jezreel?
Ateu? Eu? Hã?
Isso, ele mesmo! Vive dizendo que esse negócio de Javé não está com nada, que ninguém nunca viu Javé, que é tudo uma jogada política para acabar com as outras culturas da região e tal.
COMO?
Não se faça de besta! Eu mesmo ouvi você falando essas coisas no bar ontem à noite.
Dizia também que Acabe é um bebê chorão, e que Israel merecia um rei macho de verdade.
HEIN?
Disse que quem manda no negócio todo é Jezabel, e que o rei vive debaixo da saia dela.

Mas isso é um absurdo! Vocês não acreditam nesses dois, não é verdade?
Ora, vocês conhecem a fama desses sujeitos, e conhecem a minha. O que acham?
Era tarde demais para Nabote, porém. Enfurecido pelo rumor levantado pelas duas testemunhas — segundo a lei mosaica, quantidade suficiente para se condenar alguém —, o povo levou o pobre coitado para fora dos muros da cidade, e ali o matou a pedradas.
No palácio, Acabe recebeu a notícia da boca de sua esposa, que o convenceu a ir imediatamente tomar posse da plantação. O rei se levantou e foi caminhando até a vinha.

Então veio a palavra do SENHOR a Elias, o tisbita, dizendo:
Levanta-te, desce para encontrar-te com Acabe, rei de Israel, que está em Samaria; eis que está na vinha de Nabote, aonde tem descido para possuí-la.
E falar-lhe-ás, dizendo: Assim diz o SENHOR: Porventura não mataste e tomaste a herança? Falar-lhe-ás mais, dizendo: Assim diz o SENHOR: No lugar em que os cães lamberam o sangue de Nabote lamberão também o teu próprio sangue.

Quando se aproximava, notou de longe um homem que vestia roupas esfarrapadas, e lançava em sua direção um olhar que parecia hostil.
Chegando mais perto, não teve mais dúvidas de quem se tratava.
Então você já me achou, meu inimigo?
Depois, porque a notícia de tudo o que você tem feito de mau e criminoso deixa Javé cada dia mais irritado.
Mas o que foi que eu fiz?

Tenho um recado de Javé para você, rei Acabe.
Lá vem...
Ele diz que varrerá da terra todos os homens de sua família, de modo que não deixe descendentes.
O mesmo que ele fez às famílias dos reis Jeroboão e Baasa, fará à sua.
O cadáver de Jezabel, a prostituta que você chama de esposa, será devorado pelos cães junto ao muro da cidade.
Todos os parentes dela que morrerem na cidade terão o mesmo fim, e os que morrerem no campo serão devorados pelos abutres.
Ao ouvir a maldição proferida por Elias, o rei tremeu de medo.
Tentando reconciliar-se com Deus, rasgou suas roupas em sinal de arrependimento, vestindo um camisolão de pano de saco.
Ficou sem comer durante dias, dormindo no chão duro e exibindo um semblante abatido.
Ao ver a reação de Acabe, Javé resolveu rever suas ameaças:
Elias, diga a ele que lhe dou uma segunda chance.
Já que ele se mostra tão arrependido, não vou mandar toda essa desgraça para a vida dele.
O senhor é muito misericordioso, Javé. Estou surpreso.
Em vez disso, a desgraça toda recairá sobre o filho dele.

http://www.bibliaonline.com.br/acf/1rs/21
Veja o próximo capitulo.

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